segunda-feira, 11 de maio de 2009

Exame de compra

O exame de um cavalo por parte de um
Médico Veterinário aquando do acto
de compra é um teste pormenorizado e
rigoroso ao qual o animal é submetido
de modo a determinar a aptidão do
cavalo para desempenhar a função
pretendida para o seu futuro dono.
Neste artigo discutem-se algumas
considerações sobre o exame no acto
de compra e explica-se em que
consiste este exame.
Quando um cliente requer um exame
antes do acto de compra, presume-se
que o futuro comprador seleccionou o
cavalo em questão de acordo com os
seus gostos e preferências individuais.
Considerações como cor, tipo, altura,
temperamento e habilidade equestre
devem ser determinadas pelo cliente,
não tendo qualquer ponderação no
exame veterinário. Salvo no caso de
cavaleiros experientes, o futuro
comprador deve procurar a ajuda de
um instrutor ou treinador da sua
confiança, capaz de avaliar a aptidão
equestre do cavalo para a finalidade
pretendida. Se bem que o Médico
Veterinário (MV) poderá ter uma
opinião pessoal, não é da sua
competência profissional avaliar este
assunto no exame de compra. No caso
de cavalos de competição, o
comprador deve averiguar sobre a
performance desportiva do animal, e
principalmente se houve qualquer
interrupção na sua carreira. Em caso
afirmativo devem ser identificadas as
razões para tal interrupção.
Note-se que durante o exame no acto
de compra o MV actua exclusivamente
para o comprador. O comprador é o
cliente, e a relação com o vendedor
deve ser neutra. Espera-se que o
vendedor colabore cordialmente com o
MV, sem qualquer tentativa de
interferência durante o exame clínico.
Porém, há situações em que tanto o
comprador como o vendedor são
clientes do MV em questão. Nestes
casos o MV deve informar o
comprador de que existe uma relação
confidencial com o seu outro cliente
(vendedor), e que o comprador deve
procurar a autorização do vendedor
para o MV revelar a história clínica do
cavalo em questão. Se o vendedor não
der consentimento, o MV, segundo a
ética profissional, não deveria realizar
o exame no acto de compra. Nesta
situação o MV deve aconselhar o seu
cliente (comprador) a requerer que o
exame no acto de compra seja
realizado por outro colega da sua
confiança, que não tenha qualquer
relação profissional com o vendedor.
No entanto, tal comportamento vai
naturalmente levar o comprador a
chegar a óbvias conclusões sobre a
história clínica do cavalo. A não ser
que seja dada uma boa justificação, é
razoável deduzir que o vendedor
pretende esconder algo que possa
potencialmente afectar o acto de
compra.
Antes de realizar o exame, é
importante que o MV tenha uma
conversa com o seu cliente sobre o
animal a ser examinado. Devem ser
discutidos assuntos como a finalidade
do cavalo e quaisquer taras ou defeitos
que o comprador tenha notado no
animal. Tanto o comprador como o
vendedor devem ter conhecimento do
que consiste o exame veterinário no
acto de compra de modo a serem
encontradas as condições necessárias
para o decorrer do exame sem
percalços. Ambas as partes devem ser
informadas que um exame rigoroso
desta natureza demora normalmente
entre hora e meia a duas horas; que o
cavalo vai ter de ser observado
montado por um cavaleiro experiente e
que, em termos de instalações, é
necessário poder pôr o cavalo num
recinto escuro para realizar o exame
dos olhos (com oftalmoscópio); ter
acesso a uma superfície firme para
observar o animal em andamento,
exemplos comuns são um pátio de
alcatrão, cimento ou tijolos, ou em
muitos casos, o parque de
estacionamento. Além disso é
necessário o acesso a um picadeiro ou
pista de dimensões razoáveis para
desempenhar o tipo de trabalho ao qual
o animal é destinado.
As fases do exame veterinário variam
de região para região, e naturalmente,
de veterinário para veterinário. No
entanto, fazia sentido se todos os
médicos veterinários se acordassem
sobre um exame metódico e
sistemático, de forma a que o exame
no acto de compra fosse comparável
em todas as partes do mundo. Este
conceito tem recebido bastante
importância no Reino Unido e a
Associação Britânica de Veterinários
Equinos (BEVA) juntamente com a
entidade oficial reguladora dos
Médicos Veterinários (RCVS),
equivalente à ordem dos Médicos
Veterinários, estabeleceram um
protocolo para o exame veterinário de
um cavalo no acto de compra. Este
protocolo consiste em cinco fases
fundamentais, que descrevemos a
seguir sucintamente:
Fase1 consiste num exame clínico
rigoroso do cavalo em repouso. Nesta
fase ausculta-se o coração e sistema
respiratório, examinam-se os olhos
incluindo o uso do oftalmoscópio,
palpam-se todas as regiões do corpo,
desde a face até à cauda, com
particular ênfase nos membros e
articulações. A boca e dentes devem
ser devidamente examinados com a
aplicação de um abre-bocas que
permita a avaliação de todos os
molares e pré-molares. A determinação
da idade de um cavalo através do
gastamento dos dentes torna-se
inexacta a partir dos 6 anos de idade;
pelo que a partir desta idade o MV
poderá apenas dar uma idade
aproximada com um grau de erro que
será tanto maior quanto mais avançada
for a idade real do animal; a não ser
que lhe seja apresentado um
documento oficial com o ano de
nascimento do cavalo (ex. passaporte).
Fase 2 consiste na avaliação dos
aprumos e andamentos do cavalo. O
animal deve ser observado a passo e a
trote. Ao princípio, o animal deve ser
lidado à mão em linha recta numa
superfície firme e regular. É nesta
altura que se executam os testes de
flexão dos membros. De seguida, o
animal deve ser observado à guia, num
círculo relativamente curto, cerca de 5
metros, tanto numa superfície mole
como numa superfície firme e regular.
Fase 3 consiste em observar o cavalo
durante exercício físico intenso.
Pretende-se aqui avaliar a capacidade
do animal em desempenhar a função
pretendida. Dá-se particular atenção
aos sistemas respiratório, circulatório e
músculo-esquelético. À excepção de
poldros por desbastar, ou cavalos
utilizados para atrelagem, o animal
deve ser observado montado por um
cavaleiro experiente, de preferência
habituado ao cavalo em questão. O
animal deve ser trabalhado a passo,
trote e galope até ao limite da sua
capacidade. O dono do animal deve ser
informado do que consiste esta fase e o
seu consentimento deve ser obtido. É
importante que o cavalo esteja cansado
ao fim desta fase, caso contrário não se
pode considerar que foi puxado até ao
limite da sua capacidade. Isto é
particularmente importante no caso de
cavalos usados para competição pois
há muitas doenças ou anomalias que só
são detectáveis quando o cavalo é
submetido a esforços rigorosos e
intensivos; e doutro modo passarão
despercebidas.
Fase 4 consiste num período de
repouso, que tem como objectivo a
avaliação da capacidade de
recuperação do animal. Durante esta
fase, que deve durar cerca de 30
minutos, é costume fazer-se a resenha
do cavalo para que este seja
devidamente identificado no
Certificado Veterinário.
Fase 5 consiste na repetição da
observação dos andamentos do cavalo,
para confirmar a ausência de qualquer
claudicação ligeira que pudesse ter
sido exacerbada pelo exercício intenso.
O cavalo deve ser observado
novamente a passo e a trote numa
superfície firme, tanto em linha recta,
como num pequeno círculo em ambas
as mãos. Se houver dúvidas em relação
a claudicação de algum membro, os
testes de flexão poderão ser repetidos.
No final desta fase, recomenda-se a
aplicação da pinça de cascos para
confirmar a ausência de qualquer sinal
de dor.
Em determinadas circunstancias, este
exame básico é complementado com
exames auxiliares como radiografias
e/ou endoscopia. É prática comum,
para cavalos de competição a partir de
um certo preço, realizar um exame
radiográfico extenso. É fundamental
que as radiografias sejam de boa
qualidade para que a sua interpretação
seja justa. No caso dos membros
anteriores, para visualizar o osso
navicular, é imperativo que as
ferraduras sejam removidas e o casco
limpo. Além dos cascos, as regiões
radiografadas mais frequentemente são
os boletos e os curvilhões; para um
exame mais completo, inclui-se
também as rótulas. Raramente, a
ecografia de tendões pode também ser
aconselhada.
É prática corrente colher uma amostra
de sangue durante o exame veterinário
para, se necessário, em caso de litígio,
analisar para a presença de substâncias
modificadoras de comportamento ou
anti-inflamatórios que possam ter sido
administrados ao cavalo para ocultar
qualquer facto. Este teste, ao revelar a
verdade, pode beneficiar tanto o
comprador como o vendedor. O MV
deve obter autorização do vendedor
para colher a amostra de sangue, o que
geralmente é feito durante a fase 4 –
período de repouso. Uma vez que estes
testes laboratoriais acarretam um custo
elevado, normalmente a amostra de
sangue é armazenada (congelada) por
um período de 6 meses, sendo esta
apenas analisada caso surjam dúvidas,
após a compra, de que o cavalo
pudesse ter estado sobre o efeito de
drogas durante o exame no acto de
compra.
A não ser que o MV conheça o
passado do cavalo, a informação obtida
no exame no acto de compra é baseada
nos sintomas presentes unicamente no
momento do exame. Qualquer doença
que o animal tenha sofrido no passado,
mas recuperado completamente,
poderá passar despercebida, a não ser
que deixe vestígios. De igual modo, se
o cavalo sofrer de qualquer anomalia
intermitente ou sazonal, como por
exemplo alergias da pele ou do foro
respiratório, “abanar a cabeça”, etc;
mas se estas não se manifestarem no
momento do exame clínico, o MV não
pode ser acusado responsável por não
as ter detectado. Por esta razão é
aconselhável ao comprador obter uma
declaração do vendedor, por escrito,
sobre se o cavalo em questão sofreu ou
não de qualquer doença,
nomeadamente cólica, claudicação,
miosite, hemorragia pulmonar ou
qualquer outro problema respiratório;
alergias tipo asma, dermatite estival,
ou “abanar a cabeça”. Deve-se também
indagar sobre a presença de vícios tipo
“engolir ar” (aerofagia), “birra de
urso”, dar coices ou circular na boxe, e
sobre o comportamento do cavalo face
a ferração, tosquia, tráfico, transporte,
se entra bem para o camião ou
atrelado, etc. Se bem que o vendedor
pode omitir a verdade para influenciar
a compra, a presença de um documento
escrito terá um forte valor legal em
caso de conflito.
O exame no acto de compra visa
aconselhar o futuro comprador sobre o
grau de risco envolvido na compra de
determinado cavalo. O MV estima o
grau de risco baseado nas
probabilidades de determinadas lesões
pré-existentes interferirem ou
induzirem incapacidade de o animal
desempenhar no futuro (próximo) a
função pretendida. Note-se no entanto
que o MV não tem uma bola de cristal
para prever o futuro do animal;
qualquer expectativa de garantias sobre
saúde ou performance será irrealista e
injustamente tira o valor ao exame no
acto de compra.
É raro encontrar um cavalo “perfeito”;
por outro lado, a definição de
perfeição, varia de indivíduo para
indivíduo, pelo que o que poderá
parecer “perfeito” para uns não o será
para outros. De igual modo, um cavalo
não precisa de ser “perfeito” para ser
aprovado pelo MV no exame de
compra. Desde que as taras e lesões
identificadas não sejam consideradas
prováveis de afectar o cavalo para
desempenhar a função pretendida, a
compra deve ser recomendada.
Não se deve esperar que o MV “passe”
ou “reprove” o cavalo, se bem que na
prática possa parecer que seja isto o
que acontece. O valor do exame
veterinário no acto de compra reside
em informar o comprador sobre os
dados clínicos identificados no cavalo
e principalmente na explicação do seu
significado. Deste modo pretende-se
que a decisão final seja feita pelo
comprador após este ter tomado
conhecimento do grau de risco
envolvido na compra. HC

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